Albino Luciani

Viva! Nestes dias em que muito se fala da visita do Papa a Portugal (e não sei se a publicidade tem sido mais do interesse político que religioso), partilho-vos apenas uma pequena curiosidade que descobri. É o vídeo da última audiencia do papa João Paulo I (Albino Luciani), cujo ministério foi apenas de 33 dias, anterior ao papa João Paulo II. Na última audiência, dois dias antes de morrer, teve este diálogo com Daniele Bravo. Deixo-vos a tradução a seguir. Um abraço!

Em que classe estás?

-5ª elementar (o último do 1º ciclo)

 

Bem, então escuta bem: tu queres estar sempre na 5ª elementar? Ou queres passar para outro ano?

-Para mim é igual. Mas eu gostaria de estar na 5ª elementar, porque quando for para a 1ª média (correspondente ao nosso 5º ano), deixo a minha professora.

 

Então, estás sempre na 5º, ou queres ir para a 1º média?

-Quero estar sempre na 5ª!

 

Então, este menino é diferente do Papa, porque quando eu estava na 4ª costumava dizer “Oh! Se estivesse na 5ª!” E quando estava na 5ª, costumava dizer: “Quem sabe se passo para a 1ª, se me promovem?” Compreendes? Como te chamas?

Daniele

 

Vê, Daniele, o Senhor colocou dentro de nós um forte desejo de progredir, de avançar. Quem está na 1ª, espera para ir para a 2ª, quem está na 2ª diz “Mas irei para a 3ª!” Mas também com os adultos, sabes? Eu conheci um capitão que dizia “Mas quando me farão tenente-coronel?” Ele também queria avançar. Todos querem avançar. O Senhor deu-nos este forte desejo de progredir. Vê: Começamos por viver em cavernas, depois em cabanas, e depois construímos casas, palácios, e agora arranha-céus. Sempre avançando. Primeiro andávamos a pé, depois em cavalos, camelos, carroças, comboios, e agora aviões. Sempre avançar. Esta é a lei do progresso. Mas não apenas o progresso em viajar, eu disse antes – não sei se estiveste atento – que o Amor de Deus é como que uma viagem. Também aqui é necessário avançar. Senhor, faz que te ame sempre mais e mais. Nunca parar. O Senhor disse a todos os cristãos: “Vós sois a Luz do Mundo” “Vós sois o Sal da terra” “Sede perfeitos como o meu Pai do Céu é perfeito”. Assim, nunca parar. Avançar, com o auxilio de Deus, no amor de Deus. De acordo?

Ok, deixo-te ir. Viram como ele me ajudou?

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Apenas 3 pequenos passos… (III)

E por fim, a ultima das três pequenas partilhas. Esta é a partir do texto do pe.Santos que podem encontrar completo Aqui.

Um grande abraço e uma Boa Páscoa!

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Apenas 3 pequenos passos… (II)

É importante vermos como no andamento deste Drama que é a Morte de Jesus encontramos duas maneiras ou modos de Entrega, dois modos que se confrontam para um deles sair vencedor.
A primeira Entrega é a que d’Ele (de Jesus) fazem Judas: «procurava uma ocasião para entregá-lo» (Mt 26,16); aos sumos-sacerdotes e escribas, que o entregam aos pagãos (Mc 10,33), concretamente a Pilatos (Mc 15,1), que o entrega de novo para o crucificarem (Mc 15,15). Uma Entrega para colocarem Jesus fora de Jerusalém, fora do Povo Eleito (morto numa Cruz romana, maldição para um judeu – Gal 3,13), fora da História dos homens, de quem é acusado de ser um «agitador» (Lc 23,2).
Ora por entre as páginas do Novo Testamento encontramos um outro tipo de Entrega: «Tanto amou Deus o mundo que lhe entregou o seu Filho Unigénito, afim de que quem crê não se perca, mas tenha a vida eterna» (Jo 3,16). «Este é o meu sangue, o Sangue da Nova Aliança que será derramado por todos» (Mc 14,24). A Entrega derradeira: «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito» (Lc 23,46).
Torna-se claro que a Entrega que Deus faz não coincide com a dos sumos-sacerdotes e de Pilatos; estes não são, de modo nenhum, mediação da presença e acção do Pai neste Drama. É certo, desde o princípio, qual o papel de Deus: «Mas Deus, libertando-o dos rigores da morte, o ressuscitou, pois a morte não podia retê-lo» (Act 2,24). É à luz desta Experiencia Pascal que a morte de Jesus recebe todo o sentido: é Deus quem se encarrega de a inserir no seu Projecto («era necessário que o Messias sofresse tudo isso…» Lc 24,26), correspondendo assim à fidelidade do Messias. «Pai, chegou a Hora: glorifica o teu Filho, para que o teu Filho te glorifique» (Jo 17,1). Encontram-se duas plenas liberdades de Amor, do Filho que se entrega, do Pai que, já o tendo enviado, o ressuscita.
E da entrega miserável que os sumo-sacerdotes e Pilatos preparam, irrompe, pela força do Amor, uma Entrega 70 vezes 7 maior (Mt 18,22). E a Vida do Filho, Jesus de Nazaré, cuidadosamente gerada no poder do Espírito Santo de Amor (Lc 1,35), torna-se Património Universal de uma Nova Humanidade, pela fecundidade máxima de um Amor que, na Entrega capaz até da morte, a vence totalmente (1Cor 15,54).
«Se o Grão caído à terra não morrer, ficará só; se morrer, dará muito fruto»… (Jo 12,24)
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Apenas 3 pequenos passos… (I)

Entramos hoje na celebração de um Mistério que, antes de mais, pertence sobretudo a este Homem, Jesus de Nazaré. E o melhor é que é ele mesmo que nos convida, introduz, conduz nestes passos que vamos agora, nós, percorrer. Passos que ele próprio já percorreu, que ele próprio viveu na carne. «Aprendeu a obediência no sofrimento», ñão deixa de nos lembrar a Carta ao Hebreus (Heb 4, 8).
É ele, de facto, quem nos vai introduzir neste Mistério que celebramos. É ele quem envia os discípulos a preparar a ceia pascal numa sala já combinada com o dono do lugar (Mc 14,13-15), é ele quem, como chefe de família judeu, reparte o pão e proclama as bênçãos (Mc 14,22), é ele quem, como um bom dono da casa, recebe os seus hóspedes lavando-lhes os pés (Jo 13, 4). É ele, portanto, quem nos vai introduzir no mistério desta Páscoa…
Podemos multiplicar as palavras, imagens, discursos sobre o significado da vida de Jesus, da sua missão, do Reino, da sua morte e Ressurreição. E temos de o fazer, «proclamar a Palavra, insistir em tempo propício e fora dele» (2Tim 4,2). Mas neste dia é o próprio Jesus quem nos vai apresentar o sentido e significado, quer da sua vida que está para trás, quer da sua morte que virá à frente. Vai apresentá-lo no partir do pão e do partilhar do vinho (1Cor 11,23-25). Um pão que é o seu Corpo, um vinho que é o seu Sangue; ambos são a sua vida. Entregue. Doada. Numa abertura radical. Para os discípulos. Para a multidão (Mc 14.24). Para Deus.
Um Homem que, numa Hora derradeira (Jo 13,1), se apresenta no que foi e no que está prestes a tornar-se: corpo entregue e sangue derramado que, sem deixar de o ser na verdade física pura e dura, se abre para a maior liberdade pessoal…
Um Mistério que sou convidado a entrar e participar, à mesa, servido por este Anfitrião, na sua Casa que é a sua própria Vida…
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Apenas uma observação…

Depois de um encontro à volta da Última Ceia, uma pequena partilha minha de uma observação que fizemos durante o encontro; quem se encontra…

… Junto da Cruz: «Também ali estavam algumas mulheres a contemplar de longe; entre elas, Maria de Magdala, Maria, mãe de Tiago Menor e de José, e Salomé, que o seguiam e serviam quando Ele estava na Galileia; e muitas outras que tinham subido com Ele a Jerusalém.» (Marcos 15,41-42)

… No Sepulcro de Jesus: «Entretanto, as mulheres que tinham vindo com Ele da Galileia acompanharam José, observaram o túmulo e viram como o corpo de Jesus fora depositado. Ao regressar, prepararam aromas e perfumes» (Lucas 23, 55-56)

… Na Experiência Pascal: «Olharam e viram que a pedra tinha sido rolada para o lado; e era muito grande. Entrando no sepulcro, viram um jovem sentado à direita, vestido com uma túnica branca, e ficaram assustadas. Ele disse-lhes: «Não vos assusteis! Buscais a Jesus de Nazaré, o crucificado? Ressuscitou; não está aqui» (Mc 16,4-6)

… são mulheres.

Da minha modesta parte, duas coisas:

primeira: os meus sinceros parabéns!

segunda: a minha pergunta – dentro da Igreja dos discípulos de Jesus a que pertenço, está a haver espaço e/ou reconhecimento deste papel?

Um grande abraço!

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Leónidas Proano

Viva! Partilho um vídeo que me surgiu de um bispo do Equador, Leónidas Proano (1910-1988), bispo de Riobamba. Não conheço bem a história deste bispo, pelo que não poderei comentar muito. Mas este video editado com discursos seus parece-me de uma mensagem bem forte. «Anunciar a Boa-Nova aos pobres e a libertação aos cativos» declarará Jesus na sinagoga da sua Nazaré em Lc 4… Poderão encontrar um texto do bispo Proano (em castelhano, assim como é o video) no blog de X. Pikaza. Um grande abraço e boa caminhada de Quaresma!

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Natal…

… Dou-vos uma Boa-Nova, uma grande Alegria para todo o Povo: hoje nasceu para vós
na cidade de David o Salvador, o Messias e Senhor …
Lucas 2,10-11


E se fosse possível o Amor de Deus revelar-se para nós, assim,
na evidência de uma Pessoa?
E se Deus escolhesse, na sua Sabedoria de Amor, revelar-se, mergulhar na nossa História, através de um Homem?
E se o Amor de Deus formasse Carne,
humanidade da nossa Humanidade,
manifestando-se no Amor de um Pai a um Filho?
E se pudéssemos ver, contemplar, com os nossos olhos,
ouvidos, mãos, com os nossos sentidos,
a um Homem, da nossa Humanidade, chamar a Deus de Abbá, Pai?

Na Bíblia Deus revela-se, dá-se a conhecer através do mistério da Eleição: através de pessoas, desde os profetas, que se tornam sinal, manifestação visível de como Deus actua. E agora, no meio da Noite da nossa Humanidade ainda marcada pelas rupturas do pecado, vemos, numa criança, num Homem, o maior Sinal da Vocação, do Projecto que Deus sonha para nós:

Sermos seus Filhos, no Espírito de Jesus, pelo qual clamamos Abbá,
Pai, Nosso Pai!

Está inaugurada a Nova Aliança. Celebremos então.

Jesus Ressuscitado, Senhor: na Memória do teu Nascimento em Belém,
celebramos a Festa Maior da nossa História:
a Festa da Ternura do Pai, da sua Salvação, do seu Amor, que se revela em Ti.
No teu Nascimento, que um dia te conduzirá à Páscoa,
inaugura-se a Nova Aliança de Deus com a Humanidade,
uma Aliança da qual nós fazemos parte.
Obrigado, Senhor, pela tua Vida, obrigado por esta Noite.
Celebremos então na tua Presença, na Presença do teu Espírito Santo.

Este foi o texto de Introdução à Eucaristia da Noite, conhecida como a Missa do Galo. Amanhã partilho o texto à Celebração do Dia, para quem for porventura útil.
E a todos, o meu desejo de um Bom Natal, na Presença deste Emanuel:
um Deus não só connosco, mas para nós…
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Sacramentos

. O Livro dos Actos dos Apóstolos, de Lucas, narra a história dos primeiros discípulos após a Experiência Pascal, em como a Notícia da Ressurreição chega através deles desde o centro do judaísmo, Jerusalém, até ao centro do império, Roma. Concentra-se sobretudo em duas personagens, Pedro e Paulo, e apresenta esse anúncio como um Projecto de Deus que se está a realizar pela força do Espírito Santo. É Deus quem projecta que o anúncio do Ressuscitado chegue a todas as populações: «Recebereis a Força, o Espírito Santo que virá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, na Judeia, na Samaria e até aos confins do mundo» (Act 1,8).

. O Livro dá-nos a entender que a actividade fundamental da Igreja é o anúncio da Boa-Notícia da Ressurreição: «Quanto a nós, anunciamos-vos a Boa-Notícia: a Promessa feita a nossos pais foi cumprida por Deus aos seus filhos, ressuscitando Jesus como está escrito no salmo 2: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei» (Act 13,3-33). No entanto, vamos descobrindo por debaixo ou por dentro do texto que este Anúncio não é apenas um discurso, um conjunto de palavras. A Igreja anuncia a Ressurreição celebrando-a! O Anúncio ultrapassa as palavras, significa todo um Programa de Vida que se torna ele mesmo o Anúncio:

«Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos,
à união fraterna, à fracção do pão e às orações.
Perante os inumeráveis prodígios e milagres realizados pelos Apóstolos,
o temor dominava todos os espíritos.
Todos os crentes viviam unidos e possuíam tudo em comum.
Vendiam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos,
de acordo com as necessidades de cada um.
Como se tivessem uma só alma, frequentavam diariamente o templo,
partiam o pão em suas casas
e tomavam o alimento com alegria e simplicidade de coração.
Louvavam a Deus e tinham a simpatia de todo o povo.
E o Senhor aumentava, todos os dias,
o número dos que tinham entrado no caminho da salvação» (Act 2,42-47).

. Aquele que se torna o verdadeiro Anúncio ou Testemunho dos discípulos é o facto destes se reunirem para celebrar a Verdade desta Ressurreição, a certeza da Presença do mesmo Jesus ressuscitado como Filho por Deus-Pai. Celebram utilizando gestos, palavras, movimentos com uma linguagem mais simbólica que verbal, uma linguagem que encontra neles todo o sentido e por isso não exige explicações. O Novo Testamento deixa-nos sobretudo dois: a Fracção do Pão e o Baptismo.

. É sobretudo Paulo quem nos apresenta estas celebrações que eram frequentes na Igreja dos discípulos, mais que o próprio Livro dos Actos. E não deixa de ser curioso que não encontramos no Novo Testamento esquemas ou programas pormenorizados para celebrar, o que significa que estas celebrações não eram execuções rituais às quais era preciso continuar porque vinham de trás, mesmo que não as entendessem. A celebração da Fé na Boa-Notícia surgirá entre as comunidades como algo bem reflectido e aprofundado que se torna natural. É natural celebrar a Fracção do Pão ou Eucaristia porque o Senhor o deixou como memorial, um memorial que adquire novo sentido na nova Páscoa de Salvação inaugurada na Ressurreição:

«Com efeito, eu recebi do Senhor o que também vos transmiti:
o Senhor Jesus na noite em que era entregue,
tomou pão e, tendo dado graças, partiu-o e disse:
«Isto é o meu corpo, que é para vós; fazei isto em memória de mim».
Do mesmo modo, depois da ceia, tomou o cálice e disse:
«Este cálice é a nova Aliança no meu sangue;
fazei isto sempre que o beberdes, em memória de mim.»
Porque, todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice,

anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha» (1Cor 11,23-26)
Do mesmo modo, o Baptismo, rito um pouco comum no mundo judaico (João Baptista é o melhor exemplo) é assumido e utilizado pelos discípulos para celebrar e proclamar a Vida Nova que o Ressuscitado inaugura para toda a Humanidade.
«Se alguém está em Cristo, é uma nova criação.
O que era antigo passou; eis que surgiram coisas novas.
Tudo isto vem de Deus, que nos reconciliou consigo por meio de Cristo
e nos confiou o ministério da reconciliação» (2Cor 5,17-18)
Toda a linguagem simbólica e celebrativa torna-se o centro do interior das comunidades, e é isso que se torna verdadeiramente um Testemunho. É a partir do Sentido encontrado em gestos e palavras que a comunidade entra na Boa-Notícia do Ressuscitado e é levada a construir a fraternidade e o anúncio. É aqui que nascem o que hoje chamamos de Sacramentos. Não são rituais religiosos que repetimos porque assim somos obrigados, mesmo sem os entender, ou para ganhar o tal estatuto de “praticante”. São a linguagem simbólica, de celebração, pela qual entramos neste Mistério, nesta Boa-Notícia que nos ultrapassa, e, a uma dada altura, as palavras, depois de proclamadas, já não são suficientes.
um grande abraço!
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Santidade…

. Sabemos como o tema da Esperança pode cair, muitas vezes, numa falsa consolação que nos retira ou desmotiva a assumir, diante de experiencias de sofrimento e opressão, uma atitude criativa e libertadora. O tema do Céu e da Bem-Aventurança tornava-se numa coisa de “outro mundo”, um mundo que existe num outro lugar, e que leva a pensar que as nossas experiencias na história, na “carne” não são verdadeiras. Muitas vezes também o tema da santidade e os exemplos dos santos eram utilizados neste sentido, incutindo a resignação e a submissão.
. Um bom retrato desta situação é o que nos apresenta Sophia de Mello B. Andresen, num conto chamado “O Jantar do Bispo”:
«O Dono da Casa tinha um pedido a fazer ao Bispo. Fora mesmo por isso que o convidara para jantar. E era por isso que, enquanto o esperava, ele meditava e preparava os argumentos da sua razão.
De facto, ali, naquelas terras de sossego, naqueles dominios submissos onde ele e seu pai e seus avós tinham exercido uma autoridade indiscutida, ali onde antes sempre reinara a ordem, tinha surgido agora uma semente de guerra.
Esta semente de guerra era o padre novo, um jovem padre de sotaina rota e cabelo ao vento, pároco de Varzim, pequena aldeia miserável onde moravam os cavadores da vinha. Havia muito tempo que Varzim era pobre e sempre cada vez mais pobre, e havia muito tempo que os párocos de Varzim aceitavam com paciencia, sempre com mais paciencia, a pobreza dos seus paroquianos.
Mas este novo padre falava duma justiça que não era a justiça do Dono da Casa. E parecia ao Dono da Casa que, dia após dia, semana após semana, mês após mês, a sua presença ia crescendo como uma acusação que o acusava, como um dedo que apontava, como uma espada de fogo que o tocava. E ali na sua casa cujos donos tinham sido de geração em geração símbolo de honra, virtude, ordem e justiça, parecia-lhe agora que cada gesto do Padre de Varzim o chamava a julgamento para responder pelos tuberculosos cuspindo sangue, pelos velhos sem sustento, pelas crianças raquíticas, pelos loucos, os cegos e os coxos pedindo esmola nas estradas. (…)
Mas o pior de tudo era a missa de domingo. Sempre o Dono da Casa ouvira distraido em Varzim os sermões de domingo. Eram sermões que falavam de paciência, resignação e esperança num mundo melhor. Sermões que não lhe diziam respeito. De certa forma, para ele nenhum mundo podia ser melhor, e desejava por isso ir para o Céu o mais tarde possível. De maneira que, enquanto os pregadores falavam, tudo o distraía. Distraía-o a pintura do tecto, distraía-o a criança que chorava. Daí passava para a lembrança do sulfato ou da vindima ou da venda do vinho. Pensava nos seus negócios.
Mas agora já não se podia distrair. Agora o padre novo falava da caridade. E a caridade de que ele falava não era a conhecida e pacífica praxe das comedidas esmolas regulamentares. Era um mandamento de Deus solene e rigoroso, uma palavra nua de Deus atravessando o espírito do homem.»
. É importante vermos como a Santidade, na Bíblia, não é entendida em termos de heroísmo individual, de heróis que se tornam exemplo segundo as histórias e caricaturas que deles se formam. A Santidade pertence a todo o Povo em virtude da Salvação que Deus neles realiza: os santos são os eleitos que experimentam na sua história a Salvação de Deus.É a partir do Êxodo que Israel se reconhece como um Povo de Santos, de homens e mulheres livres e chamados a viver a Aliança com Deus:
«Vós vistes o que Eu fiz ao Egipto, como vos carreguei sobre asas de águia e vos trouxe até mim. E agora, se escutardes bem a minha voz e guardardes a minha aliança, sereis para mim uma propriedade particular entre todos os povos, porque é minha a terra inteira. Vós sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa» (Ex 19,4-6).
. É a partir desta linguagem que o livro do Apocalipse fala dos “marcados” que, tal como no Egipto, também agora são salvos pelo Sangue do Cordeiro. De novo não temos heróis individuais, mas um Povo que nasce e se reúne a partir da Salvação realizada por Deus, agora já não o êxodo do Egipto mas a Ressurreição de Jesus. Por isso já não é apenas um povo segundo uma raça e lingua, mas “uma multidão imensa que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e linguas” (Apc 7,9). Na base está a descoberta que a Ressurreição de Jesus gera um Povo, uma Família, uma Nova Humanidade que está a nascer, que é unida e re-unida nessa Páscoa, que se descobrem vencedores, “de pé diante do Trono e na presença do Cordeiro”.
. É esta Nova Humanidade, este novo e pleno Êxodo, de quem as Bem-Aventuranças são o Programa. Tal como os chamados Dez Mandamentos pretendiam ser o programa de um Povo que vivia segundo a Aliança de Deus, agora as Bem-Aventuranças são o grito de um Mundo Novo onde no centro estão os pobres, os que choram, os perseguidos. São esses os reunidos por Deus neste novo Êxodo, são esses que estão no centro de um Reino a acontecer à medida que caminhamos com o Homem de Nazaré pelas páginas do Evangelho. São esses os Santos que Deus reúne e salva, enquanto o mundo exclui.
. Estamos longe de heróis individuais de santidade, em virtudes e ascese. Estamos longe de uma esperança num “outro mundo” que torna a História falsa ou, pelo menos, um teatro. Encontramos um Reino no qual é Deus quem nos santifica, e uma Páscoa na qual estamos a nascer. Um Reino e uma Páscoa que nos reúne com um Programa, um Mandamento Novo. É Bom acreditar neste Projecto.
Um grande abraço e boa Festa de Todos os Santos!
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Origem da Igreja e Ministérios (II)

Os ministérios ou serviços nascem no seio das comunidades: estas formam o Corpo de Cristo (1Cor 12,27), nas quais os discípulos, cada um com o seu carisma, articulam esta comunhão orgânica na qual o Ressuscitado se torna Presente como a Cabeça. Os episcopos (palavra grega que significa vigilantes ou coordenadores) e os presbíteros (palavra que significa anciãos) nascem como ministérios de liderança nas comunidades.
As comunidades nasciam da evangelização efectuada pelos apóstolos itinerantes (como os Doze a partir de Jerusalém ou Paulo e Barnabé a partir de Antioquia) e, quando a comunidade iniciava, os apóstolos designavam de entre ela a episcopos e presbíteros que a lideravam. É este esquema que encontramos na Carta de Paulo a Tito, já dos anos 70-80 d.C:
«Deixei-te em Creta, para acabares de organizar o que ainda falta e para colocares presbíteros em cada cidade, de acordo com as minhas instruções» (Tit 1,5). Nesta carta encontramos também referência às presbíteras ou anciãs que desempenhariam também um papel de liderança e ensino: «Do mesmo modo, as anciãs tenham um comportamento reverente, não sejam caluniadoras nem escravas do vinho, mas mestras de virtude, a fim de ensinarem as jovens a amar os maridos e os filhos» (Tit 2,3-4).
Não encontramos no Novo Testamento uma clara distinção entre os dois ministérios: ambos designam o serviço de liderança nas comunidades quando estas adquiriam uma caminhada mais estável. O termo presbítero será de tradição judaica, das comunidades que surgiam do judaísmo na Palestina, e seguiam de perto a estrutura comunitária que já então encontrávamos na Sinagoga. O termo episcopos será de tradição grega, das comunidades vindas do helenismo.
Ao olhar para as nossas origens podemos ver como o mistério mais profundo da Igreja não é apresentado em termos de organização ou hierarquia, mas como Corpo de Cristo, comunhão orgânica e viva dos discípulos que em comunidades vivem a memória da vida de Jesus e testemunham a sua Ressurreição como acontecimento de salvação. As comunidades nascem vinculadas ao testemunho dos Doze Apóstolos, não em termos de poder ou hierarquia, mas de autoridade e reverência. No seio destas comunidades nascidas pelo anúncio da Palavra (é este o sentido da palavra Ecclesia, assembleia convocada pela Palavra), cujo centro é a Presença do Ressuscitado e a acção do Espírito Santo, nascem os ministérios ou serviços.
A Igreja continua a crescer no Império Romano do século I d. C., como nos narra o livro dos Actos dos Apóstolos, que lê esse crescimento como um Projecto de Deus de universalidade, desde Jerusalém até Roma. Este crescimento dá-se pelo dinamismo evangelizador das comunidades, que consagram e enviam a apóstolos itinerantes para anunciarem o Evangelho noutros territórios. É o esquema que encontramos em Act 13,1-4, com Paulo e Barnabé a serem enviados pela comunidade de Antioquia:
«Havia na igreja, estabelecida em Antioquia, profetas e doutores: Barnabé, Simeão, chamado ‘Níger’, Lúcio de Cirene, Manaen, companheiro de infância do tetrarca Herodes, e Saulo. Estando eles a celebrar o culto em honra do Senhor e a jejuar, disse-lhes o Espírito Santo: «Separai Barnabé e Saulo para o trabalho a que Eu os chamei.» Então, depois de terem jejuado e orado, impuseram-lhes as mãos e deixaram-nos partir».
As comunidades que são fundadas estão ligadas em comunhão com o Apóstolo que as funda e com a comunidade “mais velha” ou anciã da qual são enviados os missionários. Paulo escreve cartas às comunidades por si fundadas para que permaneçam fiéis ao Evangelho por ele anunciado (Gal 1,8). A Timóteo, pede-lhe que continue a transmissão (de onde vem a palavra Tradição) do Evangelho tal como o recebeu: «Quanto de mim ouviste, na presença de muitas testemunhas, transmite-o a pessoas de confiança, que sejam capazes de o ensinar também a outros» (2Tim 2,2).
Não encontramos aqui um esquema hierárquico ou centralizado para designar a relação entre as comunidades, como também não o encontramos na relação entre os membros da comunidade e os seus líderes. A comunidade está vinculada ao Evangelho que recebeu e nele deve permanecer fiel, em comunhão com o Apóstolo ou a Comunidade que a fundou.
Aqui desenvolve-se o papel do Episcopos: nos séculos II e III designam os líderes das comunidades fundadoras ou anciãs, como eram os casos de Jerusalém, Antioquia ou Roma. Estas comunidades possuíam uma autoridade especial, de reverência, por teres sido das primeiras a nascer, com os Doze, e por possuírem um grande dinamismo evangelizador. As comunidades fundadas permanecem fiéis ao Evangelho de Jesus se permanecem unidas à comunidade maior que as fundou, garantindo-se a transmissão (Tradição) do Evangelho. O Episcopos é o líder da comunidade maior ou anciã, com a missão de vigiar e cuidar da comunhão orgânica entre as comunidades, para que unidas formem o Corpo de Cristo, mediação de encontro e sinal da presença do Ressuscitado.
Vemos que as relações no seio da Igreja não são de tipo hierárquico, organizativo ou territorial: a estrutura de dioceses e paróquias será copiada mais tarde da divisão administrativa do império romano. A vida da Igreja acontece nos laços do anúncio do Evangelho e da acção do Espírito Santo pela mediação dos carismas e ministérios. O ministério do Episcopos ou Bispo, que surge na liderança de comunidades nascidas no contexto helénico, torna-se o de animar, cuidar e vigiar a comunhão eclesial: como líder da comunidade fundadora ou anciã, deve acompanhar as comunidades que nascem da evangelização, animando o seu crescimento e cuidando da comunhão entre elas. Como nas origens da Igreja, a sua missão hoje não é a de estar no topo de uma hierarquia ou estrutura, mas a de animar, como líder da comunidade anciã, a evangelização e crescimento das comunidades a ela unidas na comunhão eclesial.

um grande abraço e boa semana!

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